Alalaô, mas que calor! Carnaval por Stella Rebecchi

Alalaô, mas que calor!

Carnaval

Por Stella Rebecchi

CARNAVAL:  Ontem

Não faz muito tempo assim, talvez há uns 50 anos, o Carnaval era uma farra esperada por todas. Nosso grupo, de umas oito meninas entre quinze a dezoito anos passando férias no interior de São Paulo, era o mais animado do baile. Todas de sarongues iguais feitos pela costureira da colônia da fazenda. As flores no pescoço eram compradas no bazar em frente às Casas Pernambucanas, de onde vieram os tecidos. O baile, no Clube de São Carlos, era inundado de serpentina, confete, pó, muito pó. Pó do chão, da terra roxa grudada nos sapatos. Esse pó!  O grupo sempre levava o lança perfume chamado Rodoro, um espirrinho mágico que saía de uma lata dourada, dava zumbido nos ouvidos e vontade de abraçar e beijar. Muito.

A música animada era tocada por uma orquestra que ficava no palco e só fazia um intervalo na noite toda. “Alalaô ô ô ô ô ô ô… mas que calor ôôôôô”… E todos cantavam e arrastavam os pés circulando no salão.De vez em quando uma cheiradinha no ombro encharcado de lança, mais zumbidos, mais alta a voz da cantoria e calor.Alegria, muita alegria!Voltávamos inconformadas para a fazenda numa Kombi dirigida por meu irmão, o guardião das virtudes das meninas, todas cansadas, suadas, desmanteladas, parecendo embriagadas sem uma gota de álcool.

CARNAVAL: Hoje

Hipérbole, a palavra que me vem à cabeça. Superlativo em todos os sentidos, sem limites, catarse, insensatez, folia, frangas soltas, sexo com porteiras escancaradas. Alegria falsa ou verdadeira? “Pode vir que sou facinha”,” Levada do jegue”,” Siri com Todi”,” Trema na linguiça”,” Mamãe, virei bicha”! Todos blocos criativos, engraçados, e dou risada de verdade com os nomes que inventam.O que sinto pena de verdade é que rola, na maioria desses blocos, muita cerveja, muita droga sintética vagabunda, muito tudo. Meninas dando banho na rapaziada de quem bebe mais; (muito preocupante já que o corpo feminino é diferente do masculino e o álcool metaboliza mais rápido e com consequências graves.)

Chama a atenção a falta de compostura fazendo de qualquer lugar uma privada, uma lixeira, um motel de quinta, um dormitório de sem teto com teto, que se esqueceu de onde era seu teto. Corpos esfregando em corpos desconhecidos,  bocas escancaradas procurando outras bocas ou por goles de qualquer coisa.  Não, não estou com inveja. Estou preocupada porque tem muita gente querida nessa farra. E gente que nem querida é.    Permeando essa gente toda, os intrusos, os encostos, ávidos por uma cheirada, um gole, um fuminho. Isso é para quem acredita nessas energias. Eu acredito.  Propiciam, como uma chispa,   sentimentos menores que o amor, gerando mal entendidos, disputas, agressões, ciúmes, pancadaria, facadas. Bagunça que nem sempre acaba bem. Transformam algumas pessoas em seres desconhecidos, agressivos, mudando até a cara. E são capazes de tudo que não eram capazes. Por isso usei os nomes do início tão dramáticos.

Não gosto mais de Carnaval. Alalaô com seu calor virou funk. Rodoro virou GHB, coca, crack,meta anfetamina, álcool, heroína… E meu sarongue… coitado, virou abóbora com mil ratinhos brancos ainda com flores no pescoço.

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