Joelhos ralados

Joelhos ralados, palma das mãos com rasguinhos e sangue. Surpresa com o baque que acabara de levar, procurou um cantinho desprezado no depósito de coisas inúteis. Sentou ao lado da bicicleta que nunca mais tinha usado. Queria que ninguém a visse. Afundou-se numa espécie de vergonha de si mesma. Ficou ali, se sentindo tão vazia que nem choro tinha. Voltou a olhar a bicicleta que abandonara ainda na infância. Bem que podia ter sido ela. Seria mais fácil de aceitar, a ferida secaria sem tanto doer. A brincadeira nem precisaria parar. Mas a queda que a arrebentou veio de outro lugar, de repente. Ela, desprevenida, ficou sem chance nenhuma de reação. Pei, bufe e chão. Sobraram os olhos arregalados. Envergonhada, foi se refazendo, reunindo os próprios cacos. Mas isso é coisa que leva tempo. A certeza de que baques estão a espreita a calou um bocado. Garganta ainda seca do susto, se sentindo inútil no meio de inutilidades, fitou a bicicleta e pensou que a vida é igualzinha a ela. Não basta ter uma, tem que aprender a dominá-la. Estar viva é um perigo! Ter uma bicicleta não garante desvencilhar-se dos buracos. Viver não é seguro. Querendo espantar o receio de outro baque levar, a menina, vendo a bicicleta pertinho dela, sabia que não havia outro jeito. Só com muita queda se aprende a pedalar. Só caindo e levantando inúmeras vezes, descobre-se a importância do freio. Só com baques e de novo pedaladas, as curvas serão feitas sem nenhum pingo de medo.  E como um caminho bonito de ver, com vento carinhoso no rosto ampliando o prazer da trajetória, a vida ensinará que sim, querendo, se aprende a viver.

Carla

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