Nas pisadas e nos estalos

[vc_row][vc_column width=”1/2″][vc_column_text][/vc_column_text][/vc_column][vc_column width=”1/2″][vc_column_text]Eram quase quatro horas da manhã. Ainda tinha grilos e a escuridão cobria que nem um lençol de seda a visão do lá fora. Levantavam-se da cama sem fazer movimentos bruscos e só cochichavam muito baixo. O sótão era todo de madeira, as paredes, as tábuas corridas do chão, portas meio empenadas. Ninguém podia ouvi-las sair de casa àquela hora da madrugada. Não por ser errado ou proibido, mas nem pensar em fazer barulho que acordasse “os grandes”, os hóspedes e seus pais. Isso era terminantemente proibido e motivo de muitas admoestações nem sempre simpáticas.

Portanto, depois que saíam do banheiro, sem mesmo escovar os dentes, desciam descalças a escada longa, pisando levemente nos cantos dos degraus, que descobriram logo que era onde menos rangia ou estalava. Casa velha barulhenta sem ninguém abarulhentar. Acabada a escadaria e sempre no escuro, pegavam copos, colocavam açúcar, viravam à esquerda na copa onde havia uma saída para outra escadaria, mas essa já no jardim. Podiam soltar os ombros, relaxar e colocar as botas.  Eram sempre três ou quatro meninas que passavam as férias juntas na fazenda do pai de uma delas, no interior de São Paulo. Esse programa era só para super meninas espertas, destemidas, variando de idades, de 11, 12, 13 anos!

À leste onde nasceria o sol, ainda ali estava a lua acompanhada de Vênus em sua órbita de 225 dias. A cor do céu ia mudando do negro para a púrpura, da púrpura para rosa alaranjado, até fraquinhos raios de sol aparecerem amanhecendo um dia de inverno. Espetáculo esplendoroso para as meninas que já tinham esquecido o sacrifício de sair da cama naquele frio. O sol batia no capim brilhante, duro de geada, dando enorme alegria no coração. Sabiam que eram privilegiadas.

Andavam bastante até chegar ao mangueirão onde campeiros tiravam leite das vacas. Ali também não podia fazer barulho. Atrapalhava a ordenha. Subiam pela cerca até as tesouras do telhado e ficavam emperiquitadas que nem morcego, brigando com algumas teias de aranha. Ouviam chamarem as mães vacas pelo nome para encontrarem com seus bezerros que passavam a noite presos no curral. Muitas vacas e seus bezerrinhos passavam a noite mugindo em desespero. E para as meninas também era um desespero ouvi-los implorar para ficarem juntos.

Mas tudo ficava bem quando começam a chamar pelos nomes.  Aquilo era um espetáculo! Esmeralda, Princesa, Boa Nova, Branquela, Teimosa, Bisurda, tantos nomes e iam chegando cada uma na sua vez, educadamente, para encontrar seus filhos ou filhas aflitos, mortos de fome. Deixavam mamar só um pouco, em seguida amarravam o focinho nas patas da mãe (ô judiação), esperavam a vaca fazer xixi e começavam  a ordenha. Quando o balde enchia, soltavam o bezerro que tinha que se satisfazer com o pouco deixado no úbere. O campeiro chefe pegava o copo com açúcar que as meninas levavam no bolso e os enchia de leite quente, espumante, apertando e soltando a teta da vaca com maestria. Tinha que ser alguma com bezerro mais velho. Leite de mãe que pariu há pouco tempo é ruim e pode fazer mal. Assim aprenderam.

Voltavam para a sede da fazenda chutando a terra da estrada, jogando pedras na água do açude, planejando como seria a manhã, a tarde e a noite porque não podiam desperdiçar um minuto.  Preferiam que fizesse sol, mas, se chovesse, as brincadeiras seriam outras e bem enlameadas.  A alegria de poder estar ali era imensa. Não sabiam o que era mau humor, desânimo ou preguiça. Muito menos sentiam a confusão da adolescência!  Tinham que aproveitar cada minuto.  Afinal, julho só tinha 31 dias.

Stella Mar[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]

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