Nininha e o nenê

 

– Acuda ! Nininha socorro! Vem aqui!  Gritava a velha cega, ou quase cega, na porta da casa da Colônia das Pombas.

Nininha não entendeu como a cega sabia que ela estava passando à cavalo rumo à cocheira. Desmontou depressa notando que suas pernas estavam molhadas pelo suor do animal cansado da caminhada na manhã calorenta. E não estava nem um pouco cheirosa.

Subiu os três degraus mau feitos, altos, entrou e não enxergou nada lá dentro. A casa, de chão de terra batida, estava com as portadas fechadas e a luminosidade da manhã não a deixava ver nada lá dentro. Demorou um pouco para se acostumar e viu, logo na entrada, uma cama desarrumada com uma moça gemendo em cima de jornais. Em seus 14 anos, não percebeu muito bem o que estava acontecendo. A velha que foi para a cozinha enxotando galinhas garnisé, gritou: “Ela  vai parir, acuda ela, acuda!”

Os olhos da menina arregalaram, não sabia nem por onde começar. A cega meio cega veio trazendo uma garrafa de vidro vazia, entregou para Nininha que a pegou sem saber o que fazer.  “Fala pra ela assoprar forte cada vez que a dor vier”.  E assim, meio desconfiada, deu a garrafa à moça parindo que tentava assoprar, se contorcendo. De tanto em tanto a moça soprava gemendo, quase gritando. Com a outra mão, segurava a cabeceira da cama em desespero.

Lembrou da revista Capricho, histórias em quadrinhos feito filme preto e branco, que adorava; ali, toda moça que ia ter nenê, mandavam ferver água numa chaleira. Foi o que fez, sem saber muito bem o que fazer com a água fervendo! “Põe a chaleira no fogo e ferve a água… assopra logo, assopra pra esse fogo pegar!” As garnisés insistiam em ciscar lá dentro e a velha as tocava à vassouradas pela única porta aberta que dava para os fundos.

Sentou-se entre as pernas da moça, que nem o nome sabia, pegou um pano branco e ficou olhando pra ver o que acontecia. De repente viu o cocuruto da cabecinha cheia de cabelos pretos saindo daquele lugar!  Estava calma como se fizesse um parto por dia. Com cuidado, enfiou as mãos para dentro da mulher além da cabecinha e puxou o nenê pelo pescoço, que saiu escorregando que nem sabão! E sem placenta! (conhecia placenta das vacas que lambiam e mordiam o cordão até soltar). Já saiu berrando com força, todo melecado com um pouco de sangue e uma massa cinza grudada no corpo. Era um menino.

A velha, rindo, entregou uma tesoura à menina: “Corta o umbigo dele, pra soltar da placenta. Depois ocê puxa a placenta . Aí do lado tem barbante de pão pra amarrar”.
“Corto onde, pela amor de Deus, amarro como?”,  Nininha disse. “Mede uma mão com os dedos fechados da barriga do nenê, empurra o sangue pra dentro do moleque pra mó de molhar a cabeça dele pra não ficar bobo, amarra com nó em dois lugares e corta no meio.”.  E assim foi, do jeito que deu.  O bebê, forte que nem um bezerro, não parava de chorar. A mãe, morta de cansaço só ria e olhava sem um pio.

“E agora o que faço com a água fervendo?” Olhou no chão onde tinha uma bacia grande de alumínio. Jogou a água lá dentro, pensando: não sei pra quê água fervendo, assim péla o nenê.  Pediu pra velha água fria, misturou, provou na boca para ver se estava boa pro banho e colocou o moleque dentro d’água passando sabonete Lever com bucha para tirar aquela coisa grudenta cinza de cima de seu corpo. O menino , lindo , ficou rubro de tanto ser esfregado. Os cabelos eram finos, pretos e encaracolados, um amor, pensava Nininha!  Embrulhou-o nuns panos limpinhos que recebeu, deu pra mãe que o aconchegou, limpou a cama tirando os jornais, disse tchau e foi embora.

Procurou seu cavalo e este já tinha sido levado pelo cocheiro. Em frente à casa haviam várias mulheres espiando e esperando notícias cochichosas. “Vou pra casa e sei que, se eu contar o que aconteceu, ninguém vai acreditar”.  Saiu cantarolando pela estrada poeirenta, chutando uns caroços de manga chupada , rindo sozinha, feliz da vida!  Era a primeira vez que se sentia alegre e feliz depois que seu pai tinha partido.

 

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