Meu filho deixou um amigo

ELE

“Stella,
Espero que esteja um tiquinho melhor a cada dia. Pelo menos isso. Não tem um dia que não me perca pensando nessa perda (sobre a morte do seu filho e meu amigo, o Guga). E quando parece que estou deixando ir, é como se eu não quisesse, fico com medo que vá virar só uma lembrança. Beto me falou sobre essa história de deixá-lo ir; faz até sentido. Mas ainda não está dando. De nós quatro, acho que o Guga era o único que não tinha medo de acompanhar no mergulho em qualquer conversa. Duas semanas antes do Natal a gente almoçou, ele, o Dado e eu. Ele estava fazendo exame com holter (cardíaco) e, quando perguntei, ele só brincou e tirou sarro. Muitas coisas vividas, juntos…Sei que vai passar, mas também não quero que passe. Talvez não devesse te escrever isso, mas é como se você fosse a última ligação com ele, pra mim, um irmão. Desculpe, espero te seguir toda essa longa jornada.”

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EU

Meu querido,
Mais de um ano e passou e correndo. Realmente temos que conviver da melhor maneira possível com o que a vida nos apresenta. Senão, a gente sucumbe e pira, ou segue em frente com ânimo e alegria com cada detalhe desta Terra. Meu tempo é muito bem aproveitado. Sylvio tem sido companheiro. Do jeito dele, insiste em não me deixar sozinha ou chama a atenção para minha saúde. Tive uma baixa imunológica danada, mas nada irrecuperável. Beto gasta sua generosidade comigo. Eu é que me preocupo com ele e Sylvio, que meio que desistiram de suas dores para cuidarem da minha. Sei que para eles foi terrível, porque Guga morreu no carro de Sylvio junto com Beto. E nunca, pelo que eu saiba, falaram sobre isso. O que faz uma tremenda falta e toda a diferença na aceitação dessa morte súbita que nos deixou em choque e perplexos. Não se deveria morrer na véspera de Natal, mas seu amigo urso escolheu bem!

 Venha nos visitar.
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ELE

“Oi Stella,
Parabéns pelo seu aniversário (seria dele também). Que todos os desafios que a vida te trouxe, e que traga, venham juntos com uma farta colheita de luz e amor. A vida segue cheia dos absurdos e do desconhecido. Nos resta escolher percorrer as veredas que enxergamos.
Meu amigo urso ainda faz muita falta. Tem dias que não seguro a onda. Não sei bem o que dizer. Outro dia passei de moto em Vassouras, dormi lá. Muitas memórias…Inclusive que uma das vezes na fazenda você fazia massagem em nossos pés! Lembra disso? Sempre foi muito carinhosa conosco. Um grande beijo.”


ELE 
(num outro dia…)  

“Oi Stella, tudo bem por aí?
No post eu escrevi que o propósito da vida é NÃO morrer. E isso já me parece uma grande tarefa. Ou pelo menos tem parecido. Aprender é uma ferramenta essencial para melhorar esse tempo de travessia. Aprender sobre si mesmo ainda mais útil. Não sei se existe outra vida depois desta e que vida seria essa. Sendo honesto, é bem difícil conviver com a ideia da finitude, então lá no fundinho do meu coração acho que me apego a essa ideia de não morte da alma. Mas procuro viver sem essa crença; me dá liberdade de buscar mais e mais dentro de mim e do mundo. Talvez, na prática, seja a tristeza que anda me tocando mais do que eu gostaria. Um beijo carinhoso.”

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EU

Querido…
Nosso medo primordial é o medo da morte. Única certeza que temos nessa vida. Não queremos morrer, queremos viver, viver para virar semente e nunca enterrar nossos egos.  E nos apegamos fortemente a tudo e apesar das desgraceiras dos seres da superfície da Terra, ela, Terra, é maravilhosa, e a vida, a maior aventura de todos os tempos! Se quisermos escolher ver em primeiro lugar os milagres do cotidiano, é lógico que não queremos ir viajar para o desconhecido. O autoconhecimento, como disse, é a única receita do bolo perfeito. É nele que encontraremos as respostas para todas as nossas dúvidas, inseguranças, babaquices, medos, mal feitos, mal falados, mal explicados! Certamente seremos mais seguros, cabeça feita, tranquilos e felizes.

S
e não acreditamos em vidas passadas e futuras, deveríamos tentar acreditar e aceitar o espírito e a imortalidade. Apesar de não entender bem para quê! Imagino para que sejamos seres de pura luz. Para isso temos que estudar, estudar muito. Mas este assunto é vasto. Quando passar com sua moto por aqui, conversaremos, nós três, até o sol nascer. Com fogo ou com ventinho… Estou procurando respostas e ser um pouco melhor a cada dia.

Sei que devemos ter em mente nossa finitude, para tentarmos não nos apegar às coisas ilusórias. Difícil, cara! Percebo que, quanto mais o tempo passa, mais saudades tenho de Guga. Whatsapps quase diários, conversas no Bluetooth do carro ao final do dia, choradeiras, reclamações, alegrias dos novos projetos, novos amores, música e musicais, poemas escritos em qualquer lugar e papel, broncas, preocupações sem tamanho, boiar no mar, enlouquecer, viajar… Onde estará? Será que está? Que imensurável é a dor e o mistério da vida! Que o Grande Espírito Criador de Todo o Universo nos proteja e nos ampare. Não desapareça porque você é o único amigo desse filho com quem posso conversar e me sentir mais próxima dele. 
Certamente temos muito a aprender e ensinar!
                                                                                                                                            Stella

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